domingo, 13 de setembro de 2009

Lei Seca | domingo, 13 de setembro de 2009 - 11h22
Interpretação dos tribunais põe em xeque as condenações
Com apenas um ano de vigência, a Lei Seca corre o risco de ficar desacreditada.
Eduardo Andrejew/Da Redação - Fonte Site JORNAL VS. COM. BR

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Novo Hamburgo - Uma lei "absolutamente ineficaz". É dessa forma que o promotor de Justiça Eugênio Paes Amorim define a temida Lei Seca, em vigor desde o ano passado. E ele não está sozinho. Juristas de diferentes áreas em todo o País concordam que a nova legislação servemais para assustar do que punir. Na semana passada, essa crença ganhou mais consistência após divulgação de um levantamento realizado pelo advogado de Brasília Aldo de Campos Costa. Ele constatou que 80% dos réus processados por dirigiremalcoolizados foram absolvidos. Tudo porque se recusaram a fazer o teste do bafômetro ou o exame de sangue – entre os juristas existe o consenso de que, segundo a Constituição Federal, nenhum cidadão é obrigado a produzir provas contra si. Dessa forma, a maioria foi inocentada pela Justiça por falta de prova material.

No Rio Grande do Sul, Estado no qual o estudo acompanhou 54 processos, o resultado é mais arrasador: 51 absolvidos, percentual de 94,44%. O levantamento feito por Costa demonstra que, na prática, a Lei Seca emperra nos próprios mecanismos. Ela alterou o artigo 306 do Código Brasileiro
de Trânsito, que anteriormente se limitava a tratar como crime a direção sob influência do álcool.

UMA QUESTÃO DE DECIGRAMAS

Atualmente, é preciso comprovar que haja concentração de álcool "por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas". Resultado: uma tentativa de tornar a fiscalização mais rigorosa acabou abrindo caminho para a impunidade. Procurado pelo ABC Domingo, o Ministério da Justiça não se manifestou. Por outro lado, o tema já se tornou foco de discussão entre juristas de diferentes áreas. Há quem defenda ardorosamente a obrigatoriedade do bafômetro e do exame de sangue, como o promotor Amorim. Para ele, o argumento da Constituição não é válido. "É a velha interpretação brasileira de permissividade. Não é obrigatório dar o sangue para o teste de paternidade? Por que não no trânsito, onde foi constatado um crime?", questiona.

O advogado Ives Gandra Martins, famoso jurista brasileiro, tem outra visão sobre a polêmica. Ele entende que não se pode contrariar uma cláusula pétrea
da Constituição. "Ninguém é obrigado a depor contra si mesmo", salienta. Por outro lado, reconhece que a Lei Seca, na prática, acaba punindo poucos
infratores. Apesar disso, defende a continuidade da legislação por entender que ela tem, ao menos, um caráter educativo.

Advogado tem outra leitura da Constituição

O advogado Aldo de Campos Costa, que atua em Brasília, é doutorando em Direito Penal pela Universidade de Barcelona. Tem bacharelado na Universidade da São Paulo com habilitação em Direito Penal e Criminologia e possui pós-graduação pelas Universidades de Buenos Aires (Argentina) e Valência (Espanha). Autor do levantamento, ele sustentaqueaLeiSeca (lei11.705/08) não é eficiente. Tudo porqueas alterações criadas no artigo 306 da lei 9.503/97 abriram uma brecha para quem for flagrado dirigindo sob o efeito de álcool. Ele questiona os motivos da não obrigatoriedade do uso do bafômetro e do exame de sangue.

O motorista alcoolizado tem o direito de não fazer o teste do bafômetro e o exame de sangue?
Aldo de Campos Costa - Na realidade, um dos fatores que leva as pessoas a não serem pressionadas a se submeter ao bafômetro é uma interpretação muito "larga" do artigo 5o, inciso 73 da Constituição Federal.

O que determina que ninguém é obrigado a produzir provas contra si?
Aldo Costa - Na verdade, a redação desse texto não tem a amplitude que se fala por aí. Na realidade, ela se limita a dizer que o preso tem o direito
de permanecer calado.

Somente isso?
Aldo Costa - O âmbito de aplicação a este artigo tão mencionado é mais amplo do que, na minha opinião, poderia ser aplicado.

Mas então os juristas do País estão equivocados?
Aldo Costa - Essa interpretação, como é feita no Brasil, raramente é aplicada em outros países. É diferente na Alemanha, nos Estados Unidos e na Espanha, por exemplo.

O senhor poderia dar um exemplo de como é feito em alguns desses países?
Aldo Costa - Lá naAlemanha, tem um artigo do código processual, a ordenança. Naquele país é possível ordenar o acusado a produzir a tal prova contra ele mesmo. Porque o princípio é de que existe a necessidade de se colher todas as provas necessárias para o processo.

O curioso é que aqui no Brasil, quem se recusa a fazer o exame de DNA é automaticamente considerado o pai da criança. E um cidadão pode ser submetido a um exame para detectar resíduos de pólvora na mão, caso seja suspeito de crime com arma de fogo.
Aldo Costa - Pois essa é a mesma lógica que poderia estar sendo aplicada. Como eu disse antes, se faz uma interpretação muito larga de um artigo da Constituição.

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